segunda-feira, 19 de março de 2012

A mulher e a floresta

por Vânia Luisa Spressola     


     Na chamada sociedade da informação, cada um constrói conhecimento à sua maneira, não é verdade? Comigo não é diferente. De um jeito meio meu, meio de Descartes, duvido sempre que possível. Funciona assim: diante de uma notícia qualquer, lanço perguntas que desafiam o que está posto pelo(s) locutor(es). Feito o saci na pele do Visconde, inverto a ordem das palavras, troco sim pelo não, convoco os antônimos. Experimento como posso as possibilidades e me certifico se a realidade defendida é, de fato, a mais interessante. Sigo tecendo sofregamente uma teia de conhecimento que me permita ao menos uma sensação provisória de segurança, num mundo de mudanças tão rápidas e sérias.
    Vou compartilhar, então, meu exercicio de duvidar mais recente. Ele diz respeito a uma crença compartilhada na Spirale. Sempre achamos que as idéias de sustentabilidade soam femininas (e quer coisa mais contraditória – e feminina - do que desenvolvimento sustentável?). A mais recente pista de que isso procede, foi a comemoração do dia 08 de março por mulheres camponesas. Elas escreveram uma carta à presidenta, pedindo seu veto à mudança do Novo Código Florestal Brasileiro*. Não tardou em aparecer, nas redes sociais, a campanha: "No Dia 08 de março dê floresta de presente".
     O exercício: Por que será que as mulheres não pedem, vejamos… qual seria um oposto possível de floresta? Humm… Pronto. Por que será que as mulheres não pedem lavouras? Afinal, é preciso garantir alimentação a um mundo de 7 bilhões de pessoas, onde o abastecimento da população é preocupação mundial. À parte o envolvimento de alguns em crimes ambientais e, em suspenso, a discussão sobre Reforma Agrária, os produtores rurais amargam certa incoerência urbana. A cidade exige cada vez mais cana para a obtenção de biocombustíveis, uma quantidade enorme de pastos que sustentem o hábito de consumir carne vermelha em excesso, além de arroz, feijão, soja, trigo, batata, que são, em grande parte, perdidos por uma ineficiência na distribuição. Da cidade vêm exigências por um certo nível de conservação ambiental no campo, que é incompatível aos níveis de produção exigidos por ela própria. Convido cada um a duvidar como puder e terminar o parágrafo à seu modo.
     Mas vale, ainda, uma reflexão sobre o que nós, mulheres, realmente queremos num dia 08 de março qualquer e em tantos outros dias. Nada tão justo como recorrer à terra - uma entidade feminina com  título e propriedade nestes assuntos de mulher e floresta. Desavisada de qualquer vicio do pensamento, a mãe terra gera floresta e lavoura, com a fertilidade de sempre. Uma ambiguidade quase feminina, para quem acha que floresta é uma coisa e lavoura é outra. Eu chamaria isso de indiferenciação. O fato de a lavoura resultar de uma fecundação cultural da terra, não a torna menos floresta que uma reserva, não é?   
       Lavoura é floresta com finalidade e, por isso, menos diversidade. 
    Dizem por aí que as mulheres pedem igualdade, mas o que devem querer mesmo, é a valorização igualitária das diferenças. Do mesmo modo, se pedem floresta, não desejam que cessem o cultivo nas lavouras. E com um toque de ambiguidade, vão querer discutir esta relação, até que toda floresta tenha seu espaço. 

http://carosamigos.terra.com.br/index2/index.php/noticias/2594-mulheres-pedem-a-dilma-veto-para-o-novo-codigo-florestal

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